Placa Calcificada ou Cálculo Dental: Abordagem baseada em Evidência Científica - Parte 2

Foto: Altair M Junior

Cálculo Dental
Definição:
placa calcificada, revestida de placa não calcificada, detritos, bactérias, células epiteliais descamadas e células sanguíneas vindas da área sulcular.

Histórico do cálculo
• Albucasis (936) – interpretou a situação cálculo- doença e justificou a necessidade de removê-lo;
• Desenhou conjunto de instrumentos raspadores e escarificadores → precursores dos instrumentos modernos
• Paracelsus (1535) – introduziu o termo “tártaro” → comparável a depósitos no fundo de garrafas de vinho, à partir de bitartarato de potássio;
• Considerou a causa de certas doenças → “doenças tartáricas” → conceito errôneo

Tipos de cálculo
• Supra-gengival ou salivar
• Sub-gengival ou sérico

Cálculo supra-gengival
• Inicialmente branco-amarelado podendo escurecer;
• Mais abundante próximo a saída de ductos de glândulas salivares;
• Má higiene, falta de função mastigatória e mal posicionamento dental podem contribuir na maior velocidade e quantidade de acúmulo.

Cálculo sub-gengival
• Em geral são marrom escuro ou preto-esverdeados;
• Ocorre pela mineralização da placa pelos fluidos sulculares;
• Não tem correlação com ductos salivares – pode ocorrer em qualquer área sub-gengival

Avaliação clínica
• Pacientes:
formadores de cálculo leve
formadores de cálculo moderados
forte formadores de cálculo

Potencial irritativo do cálculo
• Até 1950-60 – considerado principal agente da D.P. – agressão física aos tecidos;
• Atualmente:
estrutura permeável (toxinas);
recoberto por placa (nicho);
proximidade dos tecidos periodontais;
interfere nos mecanismos de auto-limpeza e defesa locais;
dificulta higiene.

Calcificação da placa
• Pode iniciar poucos dias após o depósito bacteriano;
• Começa em focos que aumentam e se fundem;
• Seu início varia entre os indivíduos e também nos vários locais da boca;
• Calcificação sub-gengival é mais lenta e não correlacionada com o padrão supra-gengival;
• Calcificação geralmente inicia na matriz inter-microbiana, depois ao redor das paredes bacterianas e depois dentro das bactérias.

Teorias da formação do cálculo
• Perda de dióxido de carbono (CO2)
• Formação de Amônia
• Precipitação proteica
• Conceito epitático
• Teoria da fosfatase e esterase
• Teoria da inibição

Estrutura do cálculo
• Dividido por linhas incrementais → cresce por aposição de novas camadas de placa;
• Vários tipos de cristais – cristais pequenos (HA) ou longos (fosfato octocálcico) orientados em feixes ou rosetas;
• Revestidos de placa não calcificada;
• Estrutura porosa.

Meios de união do cálculo
• Película adquirida se liga fortemente a superfície dental, podendo ocorrer em microporos, desenvolvendo estruturas dendríticas;
• No cemento - irregularidades (destruição de fibras, defeitos, lacunas de reabsorção, etc.);

• Ligação inter-cristais (cristais da superfície dental com os cristais do cálculo).

Composição do cálculo
componentes inorgânicos                              % de peso seco

                               cálcio                                    27-29
                              fosfato                                   16-18
                           carbonato                                   2-3
                               sódio                             1,5 – 2,5
                           magnésio                            0,6 – 0,8
                                flúor                             0,003 – 0,004
           
Componentes orgânicos                                               % de peso seco

                        matriz total                                             15 – 20
% da matriz:
                        proteínas                                                 50 – 60
                        carboidratos                                                      12 – 20
                        lipídeos                                                    10 - 15


Microbiologia da placa
Aspectos gerais:
1 mm3 de placa (1 mg) → 100 milhões de bactérias;
1 m. o. em 24 h → 256 m. o.
inúmeras espécies não cultivadas e não estudadas;
composição da placa é diferente nos diversos locais da boca → influência das características ambientais.
 Estima-se que cerca de 500 espécies diferentes de microorganismos possam colonizar a cavidade bucal;
• Qualquer indivíduo pode abrigar 150 ou mais espécies;
• Contagem microbiana varia de 103 em sítios com sulco raso, saudável, até acima de 108 em bolsas profundas;
• Apesar disso  a relação microbiota-hospedeiro geralmente é benigna, pois injúria ao tecido de suporte é pouco frequente.


Busca inicial aos microorganismos como possíveis agentes etiológicos da doença periodontal
(período de 1880 – 1930):
-4 grupos de microorganismos:
-amebas;
-espiroquetas;
-fusiformes;
-estreptococos;

* refletiam as técnicas disponíveis na época

- Centenas de trabalhos propondo agentes etiológicos e terapias específicas que não se mostraram efetivas;
- Declínio das pesquisas: agentes etiológicos incorretos, terapias inadequadas, multiplicidade de doenças e teorias competitivas (“atrofia alveolar difusa”, “erupção contínua”, “perda de função” e “defeitos constitucionais”)

Declínio do interesse nos microorganismos:
• Em meados dos anos 1930, quase não se envolvia nessa questão;
• Bactérias consideradas meros invasores secundários nesse processo ou quando muito contribuíam para a inflamação da doença periodontal.

Hipótese da placa não específica:
• Conceito anterior baseado na teorias conflitantes não foi efetivo;
• Durante o final dos anos de 1950, enfatizou-se a necessidade do controle da placa na prevenção e tratamento das doenças periodontais, mas bactérias → agentes causadores não específicos;
• As espécies sobre os dentes não eram significativas; qualquer acúmulo de placa levaria à inflamação que seria responsável pela destruição periodontal.

Retorno à especificidade microbiana na etiologia das doenças periodontais
(anos 1960):
• Esse conceito foi retomado por 2 grupos de experimentos:
estudos de transmissibilidade em animais;
espiroquetas associadas à GUNA
• Pensava-se que os causadores seriam aqueles capazes de formar muita placa “in vivo” e “in vitro”

Mudanças nos conceitos de etiologia microbiana das doenças periodontais
• A composição da placa era considerada relativamente similar de indivíduo para indivíduo e de sítio para sítio;
• Pensava-se que o que desencadeava a doença era o aumento de massa da placa e possível diminuição de resistência do hospedeiro;
→ Então por que a destruição é localizada?
→ Então por que muitos indivíduos acumulam muita placa  e mesmo após anos não desenvolvem destruição e por que alguns indivíduos com pouca placa desenvolvem destruição rápida?
Passou-se a reconhecer as diferenças na composição da placa

Atuais patógenos suspeitos envolvidos na etiologia da doença periodontal
• Postulados de Koch – utilizados para definir relação causal entre agente infeccioso e doença:
1- o agente deve ser isolado em todos os casos da doença;
2- não deve ser encontrado em casos de outras formas de doença;
3- após isolamento e crescimento repetido em cultura pura o patógeno deve induzir a doença em animais experimentais.

Atuais patógenos suspeitos envolvidos na etiologia da doença periodontal (cont.)
• Utilizou-se inicialmente os critérios de Koch para doença periodontal, porém vem sendo retificados;
• Os critérios atuais incluem:
associação;
eliminação;
resposta do hospedeiro;
fatores de virulência,
estudos em animais;
estabelecimento do risco.

Placa bacteriana como um Biofilme
• Termo biofilme – comunidade microbiana relativamente indefinida sobre a superfície dental ou material não descamativo;
• Biofilmes formam-se virtualmente sobre todas as superfícies imersas em meio aquoso natural;
• Os biofilmes protegem efetivamente as bactérias dos agentes anti-microbianos, a menos que os depósitos sejam removidos mecanicamente

Fatores que afetam a composição dos biofilmes sub-gengivais
• Estado da doença;
• Meio local
profundidade da bolsa
inflamação gengival (vermelhidão, sangramento, supuração)
• Transmissão

Atuais patógenos suspeitos envolvidos na etiologia da doença periodontal (cont.)
• A.a
• Porphyromonas gingivales
• Bacteroides forsythus
• Espiroquetas
• Prevotella intermedia / Prevotella nigrescens
• Fusobacterium nucleatum
• Campylobacter rectus
• Peptostreptococcus micros
• Espécies de Selenomonas
• Espécies de Eubacterium
• Streptococcus “milleri”
• Outras espécies: bastonetes entéricos, pseudomonas e recentemente até vírus (citomegalovirus, Epstein-Barr, papiloma e herpes simples)

Complexos microbianos
Socransky - 1998
• A associação das bactérias nos biofilmes não é aleatória; existem associações específicas entre espécies.
            Seis grupos intimamente relacionados:
complexo azul
complexo amarelo
complexo verde
complexo roxo
complexo laranja *
complexo vermelho *

* Compreendem as espécies consideradas principais agentes etiológicos das doença periodontais.

Infecção Peri-implantes
• Mucosite peri-implantar: reações inflamatórias reversíveis na mucosa adjacente a um implante;
a resposta inicial ao acúmulo de placa parece ser similar na gengiva quanto na mucosa peri-implantar;
• Peri-implantite: processo inflamatório que afeta os tecidos ao redor de um implante já osseointegrado e em função e resulta na perda óssea de suporte;
a lesão peri-implantite possui características diferentes da doença periodontal

Aspectos microbiológicos associados aos implantes
• Implantes com tecidos adjacentes saudáveis:
biofilme apresenta muitos bastonetes Gram+ facultativos e cocos;
bastonetes anaeróbicos Gram – encontram-se em pequena proporção;
esse perfil microbiológico é similar ao encontrado ao redor de dentes periodontalmente saudáveis
• Infecção peri-implantar:
microbiota muito diferente da encontrada ao redor de implantes saudáveis;
grande quantidade de placa com aumento na proporção de anaeróbicos Gram – e  espécies anaeróbicas facultativas;
essa microbiota é similar àquela encontrada associada à doença periodontal;
existem evidências que bactérias patogênicas identificadas ao redor de dentes remanescentes possam colonizar implantes após 6 meses – risco de Peri-Implantite.


Dr Luciano Burrini

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