Placa bacteriana, Placa dental ou Biofilme: Abordagem baseada em evidência Científica - Parte 1

Foto: Saúde Bem Estar

Importância da placa na etiologia da Gengivite e doença periodontal

• A placa está ligada diretamente à inflamação gengival (gengivite – LOE, et al 1965; THEILADE et al 1966) ou (mucosite - ao redor de implantes- PONTORIERO et al 1994);
• A placa é um elemento essencial para a ocorrência da doença periodontal, mas não agente exclusivo.
• A placa também é um elemento essencial na ocorrência da peri-implantite.

Conceito
            Caracteriza-se como um depósito sobre os dentes e outras estruturas duras da cavidade bucal, organizado, aderente, de cor branco-amarelado, formado por bactérias unidas umas às outras mediante uma matriz de glicoproteínas da saliva e polissacarídeos extracelulares produzidas pelas bactérias.

Terminologia
• Black (1.898)   → placa
• Dawes (1.968)  → placa
                            → matéria alba

Fases da formação da placa bacteriana
1- Adsorção ou precipitação da película adquirida;
2- Colonização bacteriana inicial
3- Colonização bacteriana seletiva
4- Calcificação

1- Adsorção ou precipitação da película adquirida
• É um filme proteico, não bacteriano, de 0,1 – 0,7 µm de espessura;
• Ocorre pela precipitação das mucinas salivares;
• Pode estar associada à 3 mecanismos:
– Produção local de ácidos pelas bactérias
– Alteração das mucinas pelas enzimas bacterianas
– Ações de íons Ca

Produção local de ácidos pelas bactérias

• Queda do ph (dieta rica em carboidratos fermentáveis) levaria a precipitação proteica – Teoria de Kirk – 1910

Contestações:

• CARLSSON & EGELBERG (1965) – em cães ocorre formação de  placa independente da dieta rica em carboidratos, proteína e gorduras;
• DAWES (1965) – in vitro necessário ph < que 3,5 para a preciptação proteica, mas na boca placas mais ácidas ph= 4,0

Alterações das mucinas salivares por enzimas bacterianas
• BAHN (1970) – glicosidases bacterianas seriam importantes na quebra das glicoproteínas salivares → precipitação proteica


                        N-acetil neuraminidase         fucosidase           galactosaminidase
Ac. N-a. neuramínico----- fucose-----galactosamina-----galactose-

Β-galactosidase        glicosaminidase   
----------glicosamina-----proteína  → precipitação protéica

Ação iônica
• Ca aumenta a preciptação e adsorção das proteínas salivares à HA;
• Fontes de Ca : saliva e fluido sulcular;
• Adsorção final → ligações elétricas:
HA→ carga negativa
Ca → carga positiva (camada iônica ou camada de hidratação)

* adsorção de flúor – afinidade por cálcio →pode alterar a adsorção proteica

Moléculas que provavelmente participam da composição da película adquirida
• Produtos do hospedeiro:
glicoproteínas                  - amilase
 albuminas                       - IgA, IgG
• Produtos bacterianos:
lisosima
glicosiltransferase
• Carboidratos:
glicose -65%                  - glicosamina – 19%
galactose – 9,5%           - manose – 6,5%


2- Colonização Inicial
• Cocos – fenômeno seletivo através de interações fisico-química
• Atração inicial – forças de Van der Walls – repulsão eletrostática, mas atração eletrodinâmica → influenciada por íons Ca (carga positiva);
• Glicocalix ou glicocálice – heteropolissacárides extra-celulares(aderidos ao corpo bacteriana)- pares iônicos e pontes de H com a película (matéria orgânica)

• Adesinas – proteínas ligadas a carboidratos presentes nos pili ou fimbrias – unem receptores nas glicoproteínas da película;
• Ácido Teicóico e Lipoteicóico – certas bactérias Gram + interagem com a película

3- Colonização seletiva
3a) açúcares extra-celulares – produzidos pelas bactérias fora do corpo bacteriano:
sacarose é o produto básico para síntese de outros açúcares pela ação de enzimas bacterianas
         Sacarose = glicose(G) + frutose (F)

enzimas invertases → quebram as moléculas de sacarose em glicose e frutose
Colonização seletiva (cont.)
Enzimas Transferases:
Glicosil-transferases (Gtases) → G + G + G...
         GLICANAS : (α 1-6 – dextrana)
                                                     (α 1-3 – mutana)


Frutosil-transferases (Ftases) → F + F + F ...
         FRUTANAS : (β2-6 – levanas)

• GLICANAS – insolúveis, alto poder adesivo
• FRUTANAS – podem ser hidrolizadas (substrato de reserva), pouco poder adesivo

• Processo de adesão bacteriano:
ativo – ação das Gtases
passivo (inespecífico) – englobamento na massa de açúcares elaborada

3b) crescimento da placa em espessura
incorporação de novas bactérias
multiplicação das bactérias aderidas à placa;
limitação do crescimento da placa por ação mecânica, EX: língua, etc.

3c) ação de bactericinas – competição inter-espécies

3d) ação de imunoglobulinas – IgA salivar –liga-se a receptores nas adesinas

3e) tensão de O2 – quantidade de O2
            tipos bacterianos:
                                               aeróbicos
                                               microaerófilos
                                               anaeróbicos

3f) açúcares extra-celulares indefinidos : produzidos por actinomices → alto poder adesivo

3g) Inter-relação intra e inter-espécies (coagregação bacteriana)– união orgânica de proteínas e carboidratos das paredes bacterianas → forma em “espiga de milho”, “escova de mamadeira”

Crescimento e maturação da placa
• Por coalescência das colônias originais;
• Aposicional contínuo por aderência ao dente e à superfície da placa;
• Aumento da complexidade da microbiota;
• Por acúmulo de sais inorgânicos.

Influência da dieta
• Consistência
• Composição
• Frequência

Placa supra-gengival
• Clinicamente detectável;
• Quando espessa adquire aspecto branco-amarelado;
• Localiza-se primariamente ao longo da margem gengival.

Placa sub-gengival
• Não é visualizada;
• Normalmente disposta em finas camadas;
• Forma-se em locais protegidos da limpeza mecânica normal;
• Sofre influência da placa supra-gengival.

Colonização da área sub-gengival
• Área menos sujeita a ação de limpeza - área de estagnação;
• Condição de anaerobiose mais significativa;
• Aproveitamento de produtos do metabolismo da placa supra-gengival por outras bactérias;
• Inúmeras formas bacterianas móveis - não necessariamente aderidas à superfície dental.
• Diminuição de bactérias Gram + e aumento das Gram –
• Bactérias Gram– são 1.000 vezes mais patogênicas
• Produção de substâncias pelas Gram + que são aproveitadas pelas Gram –

Composição da matriz inter-microbiana da placa
• Açúcares extra-celulares;
• Produtos da decomposição de glicoproteínas salivares;
• Enzimas bacterianas
• Produtos do fluido gengival (Ig, C, etc.);
• Fagócitos (neutrófilos, macrófagos, linfócitops);
• Íons (Ca, Mg, P)
• Resíduos da alimentação
• H2O
• Produtos de destruição celular (bactérias e do hospedeiro)
• Células epiteliais descamadas

Cronologia do desenvolvimento da placa
• 0 – 4 horas → deposição de película adquirida e início de deposição de microorganismos;
• 4 horas → colonização da superfície dentária – microbiota inicial cocóide ou coco-bacilar → maior acúmulo nas áreas de retenção;
• 8 – 12 horas → aumento veloz da população microbiana → camadas múltiplas de bactérias em várias regiões;
• 24 horas → depósitos bacterianos de espessuras diversas → colônias de cocos e filamentos Gram+;
• 48 horas → presença de formas filamentosas perpendiculares à superfície dentária interagindo com outras bactérias (coagregação – “formas em espiga de milho”, etc.) → grande quantidade de bactérias e matriz inter-microbiana;
• 9 dias → a placa cresce em volume, diminui a oferta de O2 nas camadas mais profundas → altera a quantidade relativa dos tipos bacterianos;
• 3 – 4 semanas → placa madura – após 2 semanas não ocorrem mudanças qualitativas → a placa exibe alto grau de organização em camadas compactadas de microorganismos

Evolução qualitativa bacteriana no processo de amadurecimento da placa (predomínio)
      Inicialmente                       Placa madura

        cocos ------------------- formas filamentosas
      aeróbicos -------------------- anaeróbicos
       Gram + ------------------------ Gram –

Prevenção da gengivite
• Eliminar toda a placa clinicamente detectável;
• Reduzir a placa a níveis toleráveis;
• Tentar modificar a composição microbiana da placa;
• Prevenir a adesão de bactérias à superfície do dente.

Produtos bacterianos tóxicos na placa
• Exotoxinas (alto poder destruidor) – bactérias secretam e lançam ao meio: Ex:
hemolisinas
fibrolisinas
necrotoxinas, etc.
• Endotoxinas ou lipopolissacarídeos (LPS) – parede das bactérias Gram - → altamente tóxicas
• Enzimas - Ex:
hialuronidase – degrada o ácido hialurônico (substância cimentante das células epiteliais);
condroitinase – degrada a condroitina (Componente da substância fundamental amorfa do tec. Conjuntivo);
neuraminidase – destrói células epiteliais, etc.
proteases, colagenases, elastases, RNA-ases, DNA-ases, etc
• Mucopeptídeos e ác. Lipoteicóico – geram resposta inflamatória severa;
• Açúcares – glicanas, frutanas, etc.
• Produtos finais do metabolismo:
amônia                  - CO2                   - gás sulfídrico
ácidos                   - indol                   - escatol
aminas fétidas ( putrecina, cadaverina)
No próximo artigo daremos continuidade nas evidências científicas e seus desafios sobre  cálculo dental e os possíveis agentes etiológicos da doença periodontal.

Dr. Luciano Burrini


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